Contratações abertas: a vacina contra a corrupção e o ceticismo
* Este artigo foi escrito por Oscar Hernández e Camilo Cetina.
O sigilo nas negociações entre os governos e a indústria farmacêutica no que se refere aos contratos para o fornecimento de vacinas contra a COVID-19 e a importância estratégica das vacinas para a recuperação na pandemia abriram uma controvérsia na América Latina. De acordo com a ONG peruana Ojo Público, pelo menos 13 países da América Latina alteraram suas leis para comprar a vacina entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021, a fim de garantir indenização econômica e confidencialidade às empresas farmacêuticas que produzem as vacinas.
A controvérsia sobre o sigilo nos contratos de compras públicas das vacinas chegou ao poder judiciário da Colômbia. Em 10 de agosto, o Conselho de Estado declarou improcedente uma ação movida por empresas farmacêuticas para impedir que informações sobre os contratos de compra de vacinas contra a COVID-19 fossem publicadas. Juntamente à sentença foram publicados os próprios contratos, segundo algumas fontes, “por engano”. De acordo com o governo da Colômbia, a divulgação dos contratos coloca em risco o fornecimento de vacinas por violar acordos de confidencialidade.
Contrariamente às especulações, entretanto, a transparência na aquisição pública das vacinas é o mínimo necessário para garantir a efetividade do plano de vacinação. Os dados abertos em relação a essas compras, em particular, permitiriam melhorar o planejamento, a implementação, o monitoramento e a estruturação dos custos nos planos nacionais de vacinação.
Primeiramente, não é verdade que a publicação de informações relacionadas a contratos ponha em risco o plano de vacinação ou viole o segredo comercial. Pelo contrário, o sigilo alimenta comportamentos oligopólicos que limitam o acesso às vacinas e limitam o escrutínio público dos gastos governamentais. As evidências a esse respeito são notórias: os preços e condições de fornecimento de vacinas contra a COVID-19 não são segredo em lugares como os Estados Unidos, a Austrália e a União Europeia. A desenvolvimento e a aquisição de vacinas têm sido, na maior parte dos casos, financiados com o dinheiro dos contribuintes. Poucos fornecedores dominam um mercado que, de acordo com algumas estimativas, supera os 9 bilhões de dólares, que provêm de compras públicas, e por isso é importante que os contribuintes conheçam as condições de fornecimento da forma mais transparente possível.
Por esse motivo, vários países tornaram essas informações públicas: apenas no início de agosto foi relatado um aumento dos preços das vacinas pagas pela União Europeia; por outro lado, o UNICEF publicou um dashboard relacionado aos preços que vêm sendo pagos pelas vacinas. É de interesse público saber se os preços pagos pelas vacinas são competitivos, se os cronogramas de entrega estão sendo cumpridos, e quais são os controles que existem para evitar o pagamento de preços excessivos.
Em segundo lugar, a pandemia não terminará com a vacinação em massa. A proliferação de novas cepas da COVID-19 sugere que novas aquisições de vacinas serão necessárias nos próximos meses e anos. Transparência, dados abertos e prestação de contas não são, dessa maneira, questões superficiais na gestão da pandemia. Sem esses elementos, a aquisição e a distribuição de vacinas será mais vulnerável à corrupção e ao abuso de poder. Países como o Brasil já enfrentaram sérias acusações de suborno por esses contratos. Em nível global, as compras emergenciais, feitas com mecanismos de supervisão reduzidos, têm sido mais vulneráveis a abusos, aos desvios de dinheiro e à corrupção. Um mecanismo fundamental para identificar casos de corrupção ou antecipar todos esses riscos é, precisamente, verificar qual preço está sendo pago e em que condições de entrega e qualidade para o bem ou serviço que é adquirido.
Adicionalmente, se for aberta a possibilidade para que o setor privado, governos subnacionais ou entidades multilaterais possam adquirir vacinas, a eficácia dessas medidas seria melhorada se todos esses setores pudessem acessar as mesmas informações e os mesmos dados para decidir como alocar seus recursos escassos, bem como estruturar eficientemente os contratos de fornecimento em condições competitivas para todo o mercado.
Um terceiro motivo para defender uma maior abertura nas contratações é o que visa a recuperar a confiança do cidadão na ação do Estado em relação ao combate à pandemia. O sigilo poderia impactar negativamente as percepções públicas sobre as capacidades dos governos para realizar essas tarefas e, assim, a eficácia do plano de vacinação. Os cidadãos têm preocupações legítimas no que se refere à estratégia de vacinação. Muitos querem entender quais vacinas estão sendo compradas, quais garantias existem para saber que elas são seguras, como e quando cada marca será distribuída e se existem canais de distribuição confiáveis e eficazes. Todas essas informações são organizadas e tornadas públicas na estruturação de compras públicas sob padrões exigentes de abertura e eficiência.
Na execução de gastos públicos, a opacidade é sempre uma receita para o fracasso. Países como a Colômbia, o Chile e o Paraguai fizeram progressos significativos em termos de transparência para as contratações públicas. A abertura dos dados e o retorno do cidadão possibilitaram melhorar a competitividade dos processos, evitar riscos de corrupção e aprimorar os resultados de serviços fundamentais como as obras públicas . Graças à análise de dados, órgãos de controle como a Procuradoria da Colômbia, bem como as Controladorias da Colômbia e do Brasil foram capazes de detectar em tempo hábil as redes de corrupção. Não vale a pena esperar que a futura e recorrente compra pública de vacinas que aguarda nossos governos se torne mais um alvo das redes de corrupção para reconhecer a importância da transparência e dos dados abertos na gestão da crise da COVID-19.
(*) Oscar Hernández é Gerente Regional da Open Contracting Partnership (OCP) na América Latina. Nesta função, trabalha com equipes de governos, com a sociedade civil, com jornalistas e com as universidades da região para melhorar a qualidade dos serviços públicos, por meio de estratégias de contratações abertas. Antes de ingressar na OCP, foi um Associado de Inovação no Government Performance Lab na Escola de Governo da Universidade de Harvard, onde liderou projetos de contratação baseados em resultados em cidades dos EUA. Trabalhou também com o Ministério da Defesa da Colômbia e o Poverty Action Lab (J-PAL) do MIT. Oscar é mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton (EUA). É economista e filósofo pela Universidade dos Andes (Colômbia).