A transição verde e justa preconizada pela ONU mira aspectos que combinam a sustentabilidade ambiental com a justiça social e persegue o princípio de não deixar ninguém para trás. O conceito reconhece que ambos os componentes estão interconectados e que devem ser considerados para criar um futuro mais sustentável para todos. A mitigação e a adaptação são estratégias de uma agenda abrangente para os desafios das mudanças climáticas. Embora essenciais, elas nem sempre abordam adequadamente as necessidades dos grupos vulneráveis e podem até agravar desigualdades existentes.

Muitos países em desenvolvimento enfrentam o triplo desafio de atrasos nas metas das ODS, recuperação dos efeitos da Covid-19 e mudanças climáticas. Estimativas apontam necessidades de financiamento entre US$ 4 trilhões e US$ 6 trilhões anuais até 2050 para enfrentar aqueles desafios, missão que parece quase impossível. Os países desenvolvidos prometeram contribuições anuais de US$ 100 bilhões até 2025 para apoiar a agenda de mudanças climáticas dos países em desenvolvimento, mas não apenas o compromisso não foi cumprido, como os recursos teriam sido contribuição ínfima frente às necessidades.

Para enfrentar a tarefa da transição verde e justa, será preciso buscar alternativas de financiamento, ajustar o foco à realidade de cada país e mirar novos caminhos. Para muito além da mitigação e adaptação, um caminho a ser mais e melhor explorado é o da transformação produtiva que mire as muitas novas oportunidades de negócios associadas às mudanças climáticas e que capitalizem condições vantajosas dos respectivos países de tal forma a que a estratégia seja autossustentável. É como olhar para o copo meio cheio.

A transformação produtiva pode ser crucial para proteger os pobres, incluindo a criação de empregos verdes, a diversificação de fontes de renda, a promoção de atividades econômicas menos expostas às mudanças do clima, a promoção de novas oportunidades de negócios para pequenas e médias empresas, o acesso a novas tecnologias e práticas de gestão e a redução da volatilidade do crescimento, elemento especialmente danoso para os mais pobres. Uma transformação produtiva que incorpore resiliência climática e sustentabilidade pode, portanto, melhorar significativamente a capacidade dos pobres de resistir aos impactos das mudanças no clima.

E o que seria uma transformação produtiva na América Latina e o Caribe (ALC) e onde a região deveria apostar as suas fichas? Idealmente, em atividades que ocuparão um lugar privilegiado na estrutura de demanda mundial, em atividades cujos preços relativos inevitavelmente subirão ao longo das próximas décadas e em atividades em que a região já tem vantagens comparativas e competitivas.

Nessa classificação estariam incluídos tudo o que requer, direta ou indiretamente, muita água, energia renovável e minerais críticos para a transição, que são abundantes em muitos dos países da região. Ali também estariam incluídos o que está associado a alimentos, afinal, a região já é uma das maiores produtoras agrícolas e tem condições inigualáveis para a agricultura sustentável; o que está associado à maior floresta tropical e muitos dos mais importantes biomas; o que está associado à imensa biodiversidade e ao potencial da bioeconomia; e ao grande protagonismo em biocombustíveis e novas tecnologias e soluções para a transição climática.

Mas a maior oportunidade da região para promover a transição verde e justa pode ser traduzida no powershoring, estratégia de atração de investimentos em plantas industriais intensivas em energia e que necessitam descarbonizar, reduzir custos e ter segurança energética. Este é o caso de setores como o aço, cimento, metalmecânica, química, vidro, cerâmicas, papel e celulose, fertilizantes e tantos outros que podem conformar clusters de negócios com amplas repercussões no emprego, na renda e nas pequenas e médias empresas da região. De fato, a região oferece condições excepcionais para acolher investimentos no âmbito do powershoring que aumentam a competitividade das plantas e protegem os interesses dos países de origem dos investimentos. Afinal, o powershoring reduz os prazos e os custos da transição energética nos países com matrizes energéticas cinzas.

A maior contribuição do powershoring para a transição verde e justa se deve aos seus impactos sociais nas zonas urbanas, que é onde reside a maior parte da população da região e onde se concentram os maiores e mais graves problemas de pobreza, fome, desigualdade, violência, informalidade e baixa produtividade.

O potencial do powershoring é imenso e poderá ser transformador. Considere o caso do Brasil. De acordo com as nossas estimativas, o powershoring poderia adicionar exportações de manufatura verde em até US$ 395 bilhões no período 2024-2032 e os investimentos diretos e indiretos correspondentes poderiam chegar a US$ 351 bilhões no mesmo período. São números importantes, mas ainda mais importantes são as suas potenciais repercussões econômicas nas cadeias de valor domésticas e regionais e no tipo e natureza de integração da região à economia mundial.

Apesar da enorme competitividade para o powershoring, há desafios a serem enfrentados pela região, e o maior deles são as sem precedentes intervenções de países desenvolvidos nos mercados e nos sistemas de preços de energia renovável, equipamentos de energia verde e produtos manufaturados verdes a partir da imposição de normas protecionistas e discriminatórias e de subsídios massivos, o que coloca em risco o funcionamento dos mercados e a transição verde e justa nos países em desenvolvimento.

As condições únicas da ALC lhe dão confiança e espaço para poder ter uma postura mais altiva e ambiciosa e influenciar as discussões, participar da economia global pela porta da frente e se apresentar ao mundo como fonte de soluções para a descarbonização e a redução da pobreza.

Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vice-Presidente do Setor Privado, CAF –banco de desenvolvimento da América Latina-