Powershoring II

07 de dezembro de 2022

A Europa vê um número crescente de indústrias lutando para superar a grave crise de fornecimento e de preços da energia, que encontra-se associada à forte dependência de energia importada. A crise surgiu no horizonte antes da guerra da Ucrânia, mas se acelerou desde então. Enquanto várias empresas estão reduzindo a produção, outras, especialmente as pequenas e médias, estão fechando suas portas e muitas outras estão demitindo funcionários e realocando parte de suas operações no exterior como forma de enfrentar a situação.

De fato, pesquisas de associações do setor industrial apontam para um crescente interesse das empresas em transferir fábricas para outros países e analistas já estão falando em uma “desindustrialização acelerada da Europa”. Como exemplo, um grande produtor de fios e cabos elétricos com sede na Alemanha viu, ao longo de 2022, seu custo anual de energia aumentar seis vezes em relação a 2020 e a perspectiva é de novos aumentos em 2023 e de mais problemas de fornecimento. Essa conjunção afeta contratos e negócios, com implicações prejudiciais para a participação de mercado. A energia deixou definitivamente de ser um elemento de custo adicional para se converter em um fator crítico para o destino das operações industriais. Espera-se que o movimento de deslocalização avance nos próximos anos, especialmente entre as empresas de setores que fazem uso intensivo de energia.

A incerteza, a insegurança energética e de custos associadas à geopolítica não são os únicos fatores que afetam a geografia dos investimentos, seja na Europa ou em outros lugares. Eventos climáticos extremos estão causando escassez de energia, apagões e lockdowns, obrigando também à redução da produção e até mesmo ao fechamento de fábricas, como visto recentemente na Ásia e nos Estados Unidos, o que está gerando um revisionismo sobre as vantagens e riscos da concentração geográfica da produção. Some-se a isso as regulamentações ambientais e os compromissos corporativos com a descarbonização, questões que são especialmente relevantes para as empresas que estão mais expostas ao escrutínio do governo, do público e dos investidores, o que também está gerando um revisionismo da localização industrial. Para a China, aos fatores mencionados acima, somam-se o protecionismo verde e o geopolítico.

Tudo isso altera o retorno sobre o investimento (ROI) e reforça a relevância do powershoring como estratégia para proteger a competitividade e a produtividade, garantir a segurança produtiva e assegurar o cumprimento da agenda ambiental. Powershoring refere-se à descentralização da produção para países situados próximos aos centros de consumo que oferecem energia limpa, segura, barata e abundante, além de outras vantagens para atrair investimentos industriais. O Powershoring já está se tornando um dos principais determinantes da localização industrial no século XXI.

Mas os fatores que estimulam o powershoring serão transitórios ou permanentes? A precariedade e os preços das energias fósseis continuarão sendo complicados por muito tempo, seja por razões geopolíticas, regulatórias ou por falta de investimento em infraestrutura específica. A dependência da energia fóssil importada deveria diminuir ao longo do tempo com a entrada em funcionamento de usinas de energia renovável, mas a ecologização das matrizes energéticas das grandes economias importadoras ainda levará muito tempo. A expectativa é que as regulamentações e os impostos sobre o carbono avancem na Europa, aumentando os custos domésticos e afetando a competitividade empresarial. E a insegurança energética associada a eventos climáticos extremos também continuará a cobrar seu preço.

Portanto, parece razoável dizer que esses incentivos estão enraizados em fatores permanentes ou quase permanentes, e não transitórios, e que o powershoring seria uma estratégia para mitigar essas “falhas de mercado”. Afinal, o powershoring reduz custos, aumenta a eficiência e a segurança da produção, melhora a alocação de recursos, protege a competitividade, acelera a descarbonização no país de origem e contribui para o cumprimento da agenda ambiental por parte das empresas.

A região da América Latina e o Caribe (ALC) está especialmente bem posicionada para ser o destino das empresas que precisam de um impulso. Entre os facilitadores imediatos estão a matriz energética já verde ou muito verde, o aumento da oferta de projetos de energias renováveis com custos marginais decrescentes, a implementação de projetos de produção de hidrogênio verde, a baixa exposição a tensões geopolíticas, o crescente endurecimento da compliance ambiental e das normas ESG e os investimentos em portos e zonas industriais.

Mas, para aproveitar o powershoring e ocupar espaços, a região deve avançar com ambição e determinação em uma agenda reguladora e de incentivos para estimular o investimento em energias renováveis e em redes de transmissão e distribuição; disponibilizar instrumentos de redução de riscos para atrair investimentos, especialmente em projetos com maior impacto nas cadeias de produção e na agregação de valor; assegurar a estabilidade regulamentar; aprovar leis tributárias que incentivem a produção industrial para exportação; aumentar os investimentos em portos e zonas industriais; promover acordos comerciais e de investimento; promover a autoprodução de energia limpa; formar recursos humanos; promover mecanismos acelerados de concessão de licenças ambientais e balcão único; capacitar e equipar as agências de promoção de investimentos; e fornecer informações aos investidores, especialmente aqueles em setores com maior interesse em potencial. E, finalmente, promover e criar processos para agendas combinadas de powershoring e mercado de carbono. Afinal, são dois lados da mesma moeda.

O Powershoring é uma oportunidade única para converter a vantagem comparativa da região em energia verde e a distância da agenda geopolítica em poderosos instrumentos para promover o desenvolvimento econômico e social. O Powershoring terá efeitos importantes na produtividade, na competitividade, na tecnologia e na inovação, e contribuirá para a formação e consolidação das cadeias de valor regionais. Certamente, o powershoring será muito útil e benéfico para a região, mas será ainda mais útil para as empresas que entenderem as vantagens dessa estratégia.

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Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-