Quem vai liderar a manufatura verde?

21 de julho de 2023

À medida que o mundo considera formas mais sustentáveis de crescimento econômico, países e empresas estão se posicionando para a emergente economia verde desde diferentes perspectivas. Uma delas é a manufatura. Para se cumprir o compromisso do net-zero em 2050, será necessário implementar a mais profunda e rápida mudança de estrutura econômica da história para converter a produção de aço em aço verde, a de plástico em plástico verde e por aí vai. Estima-se que serão necessários investimentos anuais até 2050 de pelo menos US$ 3,3 trilhões para se promover aquela conversão. Para esverdear a manufatura, vários fatores habilitadores deverão estar postos, sendo o mais crucial a disponibilidade de energia verde, segura, barata e abundante para uso nas cadeias de produção.

A manufatura verde está alinhada com regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas e metas de sustentabilidade estabelecidas por vários governos e organizações internacionais. Ao atender a esses requisitos, os fabricantes garantem conformidade regulatória e obtêm acesso mais fácil a mercados, expandindo oportunidades de novos negócios. Os fabricantes que investem em tecnologias sustentáveis têm acesso a equipamentos de ponta, sistemas de controle avançados e ferramentas de otimização de processos, o que resulta em maior eficiência operacional, redução do desperdício e aumento da produtividade. O uso de energia limpa também reduz o custo energético num contexto em que a energia renovável já é mais barata que a fóssil. E tudo isto se transforma em vantagem competitiva.

Mas a manufatura sustentável vai além do compliance e da eficiência operacional – as tecnologias que devem ser adotadas capacitam as empresas a serem ambientalmente responsáveis, economicamente resilientes e socialmente conscientes. A produção sustentável também eleva a reputação da marca e o engajamento das partes interessadas da empresa. No final, tudo isto leva à ocupação de novos espaços de mercado. Ali estaria a razão principal da feroz corrida global pela liderança da manufatura verde, com o emprego até de uma espécie de “vale-tudo”, tal como representado por legislações recentemente aprovadas pelos Estados Unidos e Europa, que promovem um sem precedentes conjunto de subsídios, discriminação e protecionismo em favor da manufatura verde.

A mudança em direção à manufatura verde apresenta uma oportunidade para vários países se estabelecerem como líderes em práticas e tecnologias sustentáveis. Dentre estes, a China se destaca como forte concorrente em razão de suas capacidades já estabelecidas e comprovadas na manufatura e ambiciosas metas de energia renovável. Mas a China enfrenta desafios, incluindo a necessidade de ainda fazer uma ampla conversão da matriz elétrica e de ter que enfrentar temas geopolíticos complexos que impactam o comércio e o acesso a mercados.

Já os Estados Unidos e a Europa perseguem políticas industriais altamente ambiciosas para se estabelecerem na manufatura verde. Mas, em linha com a China, ambos ainda têm que enfrentar uma longa e custosa jornada para esverdear a matriz elétrica, estão expostos a temas geopolíticos e partem de uma situação de desvantagem em termos de tamanho e integração do parque fabril, já que há muito a manufatura já não ocupa espaço importante nas respectivas economias.

A América Latina e o Caribe (ALC) também poderia contestar parcela da manufatura verde e a razão principal é a enorme disponibilidade de energia verde. De fato, vários países da região já têm matrizes elétricas majoritariamente verdes e deverão esverdeá-la ainda mais nos próximos poucos anos. Esta condição dá à região uma grande vantagem de tempo e de custo de investimentos e permite que, desde já, possam brindar as cadeias de valor com a possibilidade de produção com baixa emissão, uma vantagem competitiva única. É disto que trata o powershoring. Agregue-se que a região está protegida de temas geopolíticos complexos, tem localização privilegiada e deverá fazer parte da nova geografia global dos investimentos, que busca diversificar a localização das plantas industriais por um tema de resiliência.

Mas os benefícios que a região oferece vão muito além. Vários países contam com muita disponibilidade de água, imensas reservas de minerais críticos, como o lítio, níquel, cobre, terras raras e minério de ferro de alto teor, e biodiversidade especialmente rica e que pode ter papel distintivo para a manufatura sustentável e para o mercado de carbono. Contam, ainda, com vastas florestas e terras agrícolas que oferecem amplas oportunidades para o abastecimento de importantes matérias-primas industriais. A região também está se engajando em compromissos com a preservação ambiental, o que é fundamental para atrair investidores e consumidores que priorizam a produção responsável. Tudo isto posiciona a região como fornecedora confiável de produtos manufaturados sustentáveis.

Liderar a fabricação sustentável requer, no entanto, uma abordagem abrangente e proativa, incluindo estabelecer um forte compromisso com a sustentabilidade; identificar fontes de financiamento; concentrar-se no desenvolvimento de produtos verdes; garantir a expansão da energia limpa; implementar medidas de eficiência energética; promover o mercado de carbono; otimizar a eficiência no uso dos recursos; fomentar uma cultura de inovação; colaborar e envolver os stakeholders; investir em treinamento e educação profissional com os conhecimentos e habilidades necessários para a economia verde; e comunicar as iniciativas sustentáveis. Será também importante demonstrar consistentemente a liderança ambiental e assumir um papel de destaque para um futuro sustentável.

É provável que testemunharemos uma alteração no cenário atual da manufatura global. Muitos setores incumbentes de países com vantagens comparativas e competitivas poderão se atrasar na conversão para o verde, os custos de conversão poderão ser proibitivos, ou ainda, não terão à disposição muitos dos requerimentos para lograr êxito, sugerindo que poderão perder espaço de mercado. Tudo isso contribui para que a ALC possa ambicionar participar da economia verde pela porta da frente, e não apenas como fornecedor de commodities verdes, o que a permitirá transformar a sua economia e resolver de uma vez as suas maiores chagas, que são a pobreza e a desigualdade. Mas, para isto, será necessária muita ambição, determinação, objetividade e capacidade de coordenação, execução e implementação de políticas.

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Autores:
Jorge Arbache
Jorge Arbache

Vicepresidente de Sector Privado, CAF -banco de desarrollo de América Latina y el Caribe-