Condenados à pobreza? CAF apresenta propostas para promover a mobilidade social na América Latina e no Caribe

05 de dezembro de 2022

Embora na região muitas pessoas hoje superem seus pais nos níveis educacionais, o avanço não se dá da mesma maneira no que tange a trabalho ou renda. Sem mobilidade social, a equidade, o crescimento e a estabilidade político-institucional dos países podem ser comprometidos. Esses são alguns dos temas abordados no novo Relatório de Economia e Desenvolvimento do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina.

Condenados à pobreza? Propostas do CAF para a mobilidade social

A desigualdade na América Latina e no Caribe é muito alta e permanece consistentemente acima do que foi observado em outras regiões. Hoje, na região, enquanto os 10% mais ricos detêm 55% da renda e 77% da riqueza, os 50% mais pobres detêm 10% da renda e apenas 1% da riqueza. Outras formas de medir a desigualdade econômica atestam o mesmo padrão, que é analisado em detalhes no novo Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED2022) do CAF -banco de desenvolvimento da América Latina, intitulado Desigualdades herdadas: o papel das habilidades, do emprego e da riqueza nas oportunidades das novas gerações.

Essa persistente e alta desigualdade é baseada em raízes profundas, passadas de geração em geração. A falta de oportunidades para formar capital humano, conseguir bons empregos nos mercados de trabalho e acumular ativos são fatores-chave por trás da conexão intergeracional das desigualdades. O relatório apresenta evidências abundantes indicando que, na América Latina e no Caribe, as oportunidades nessas três áreas são distribuídas de forma muito desigual entre pessoas de famílias de diferentes níveis socioeconômicos.

“A baixa mobilidade social é um grande problema para a América Latina e o Caribe. Não só por conta de suas consequências sobre a equidade, mas também devido a seu impacto em outros componentes centrais do desenvolvimento econômico, como o crescimento e a estabilidade político-institucional. A falta de mobilidade social tende a alterar os incentivos ao esforço e distorcer a alocação de talentos humanos, afetando, assim, os níveis de produtividade e crescimento. Além disso, a alta persistência intergeracional derivada da desigualdade de oportunidades pode corroer a confiança entre os cidadãos e nas instituições”, explicou Dolores de la Mata, coautora do relatório e economista-chefe da Diretoria de Pesquisas Socioeconômicas do CAF

A publicação mostra a importante expansão educacional que a região vivenciou ao longo do século XX e que, no entanto, não foi suficiente para melhorar a situação relativa dos filhos das pessoas menos escolarizadas. Isso se deveu ao fato de que a expansão educacional para os grupos mais vulneráveis se concentrou em baixos níveis educacionais, como primário e, em menor grau, secundário, enquanto atingir níveis educacionais mais altos continua sendo uma tarefa pendente. Por exemplo, a fração de filhos de pais não universitários que conseguem concluir estudos universitários ainda é muito baixa na região, mal ultrapassando 10%.

De acordo com o RED2022, aqueles que conseguiram superar seus pais em níveis educacionais não necessariamente alcançaram progressos semelhantes em suas oportunidades de trabalho. Isso pode sugerir tanto que o progresso educacional não foi suficiente, quanto que a estrutura econômica da região não está conseguindo absorver ou recompensar esses níveis mais altos de educação. Além disso, esses resultados são consistentes com a baixa mobilidade intergeracional de renda, o que posiciona a América Latina e o Caribe como a região com maior persistência nessa dimensão em todo o mundo.

“A região exige melhorias tanto na cobertura quanto na qualidade e na relevância do ensino básico, técnico-profissional e superior. Mas, entre as políticas que podem dar um maior impulso à mobilidade intergeracional, há também aquelas que visam a aliviar as principais restrições que limitam investimentos dentro dos lares em crianças e adolescentese que incluem não só a vertente financeira, mas também informativas e de seguros”, agregou Dolores de la Mata.

 

Oportunidades de emprego e poupança

O diagnóstico do RED 2022 sugere que concentrar esforços em grupos populacionais como afrodescendentes, indígenas, mulheres de origens mais vulneráveis ​​e residentes em áreas segregadas pode ajudar a melhorar as oportunidades de mobilidade ocupacional e de renda. O relatório aponta que focar em políticas com critérios espaciais ou geográficos é importante, porque a localização geográfica dos pais também condiciona as oportunidades de trabalho dos filhos. Muitas das novas gerações vivem no mesmo bairro onde seus pais viviam. Isso é afirmado por 45% dos entrevistados pelo CAF, sendo que mais de um terço deles mora na mesma casa onde seus pais moraram.

“A igualdade de oportunidades de emprego exige, em grande medida, a redução das desigualdades entre regiões e entre diferentes áreas dentro das cidades da região. Diferentes políticas podem colaborar para esse objetivo, como as que melhoram a infraestrutura urbana básica e equipamentos essenciais para a oferta de serviços de educação, saúde e segurança pública, entre outros”, reiterou Lucila Berniell, também coautora da publicação e economista-chefe da Diretoria de Pesquisas Socioeconômicas do CAF.

Do ponto de vista levantado no relatório, as políticas que normalmente não são consideradas como promotoras da mobilidade social tornam-se peças centrais do leque de políticas para a igualdade de oportunidades. É o caso, por exemplo, da melhoria da infraestrutura de transporte público, que têm o potencial de trazer oportunidades de emprego de qualidade para populações residentes em áreas desfavorecidas, longe dos centros produtivos.

Em termos das possibilidades de poupança e acumulação de ativos, o RED 2022 mostra o importante papel desempenhado na região pelas heranças e problemas relacionados com a inclusão financeira desigual. “A análise das causas desse fenômeno permite propor diversos espaços políticos que poderiam favorecer uma maior mobilidade da riqueza. Por exemplo, analisamos o potencial dos sistemas fiscais, o desenvolvimento dos mercados de crédito hipotecário, as intervenções para melhorar as condições de aquisição de habitação, bem como a promoção de um maior conhecimento financeiro e o reforço de esquemas de seguros sociais e privados que protejam as famílias mais vulneráveis contra os riscos que mais afetam seus ativos, como riscos climáticos e macroeconômicos”, acrescentou Lucila Berniell.

O relatório conclui com uma série de recomendações para proporcionar às novas gerações maiores oportunidades de acumular competências, melhorar o funcionamento dos mercados de trabalho para que ofereçam alternativas de qualidade a todos os trabalhadores e promover formas seguras e rentáveis ​​de acumulação de ativos para todos os membros da sociedade. As propostas indicam que a conquista de maior mobilidade social na região está nas mãos de múltiplos atores, tanto do setor público quanto do privado, impondo o grande desafio de alcançar os consensos necessários para ampliar políticas redistributivas que quebrem laços intergeracionais da desigualdade.

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